Travessias 6 COLABORAÇÕES por Luiza Mello

O Travessias estimula contatos afetivos e criativos com o mundo e as pessoas por meio da arte, criando possibilidades inovadoras de convivência. Espera-se mobilizar emoções, vibrações e interrogações. A travessia que o projeto sugere ultrapassa, contudo, a dimensão geográfica de seu título e incorpora a diversidade das interlocuções que a arte pode travar com a sociedade.

O conceito geral da exposição propõe a criação de movimento e troca para gerar diálogos de vivências, percepções e imaginários entre artistas e o território da Maré; entre as/os artistas participantes; entre as/os artistas e as/os moradores da Maré; entre seus frequentadores e o território da Maré. Ou seja, cria novas possibilidades de encontro na cidade a partir das artes. Podemos destacar, de forma mais específica, seu caráter agregador, que teve capacidade de construir e estimular a partilha de experiências e ações comuns entre artistas de diferentes partes do Brasil, do Rio de Janeiro e da Maré envolvendo profissionais tanto da favela como pessoas que nunca tinham circulado em um território com esse perfil.

Com o título COLABORAÇÕES, a exposição faz referência tanto a agrupamentos e experiências coletivas quanto ao encontro entre os artistas e os frequentadores do Galpão. Não existe uma distância calculável entre o choque sensível que um trabalho de arte é capaz de produzir e a tomada de posição, o encontro depende do papel ativo do frequentador e o resultado é indeterminado.

Existem muitas motivações para a criação de trabalhos e ações colaborativas em arte. Acreditamos na importância dessas colaborações em suas diversas configurações e, sem a pretensão de dar conta de suas inúmeras possibilidades, convidamos algumas delas para estarem conosco na Maré.

O Travessias 6 propõe uma reflexão sobre práticas colaborativas a partir das obras de artistas que trabalham juntos na produção de conceitos, ações, performances, objetos, festas, etc. Os coletivos e grupos aqui presentes se reuniram por diferentes razões: o Rato Branko por amizade e vontade de falar para um público maior do que os frequentadores de instituições culturais; as Trovoa por motivações políticas e pela urgência de refletirem sobre o seus lugares no mundo; o Rato Preto por afinidades e necessidade de estarem juntos em uma cidade tão desigual como o Rio de Janeiro; A Noiva por questionamentos ao mercado da arte contemporânea; e por desejos de criação e mudança coletiva presentes de alguma forma em todas.

Em tempos de enormes retrocessos políticos, descrença na ciência, descaso com a cultura, aprofundamento ainda maior das desigualdades sociais, de ameaças ao sistema democrático e de falta de perspectiva de futuro; as colaborações se apresentam como uma forma potente de resistência e criação de novas visões que podem nos possibilitar voltar a sonhar com um mundo melhor e a torná-lo real. Só misturando pra ver no que vai dar.

A mostra Travessias inaugurou o Galpão Bela Maré em 2011 e chega a 6a edição em 2020. Sua realização ao longo de tantos anos só foi possível através a colaboração de pessoas e organizações que acreditam no papel central da arte na ampliação das possibilidades existenciais de múltiplos grupos sociais: o Observatório de Favelas, a Automatica, a Redes, a RUA arquitetos, a Quinta-feira, a 14, artistas, curadores, arquitetos, designers, produtores de conteúdo, educadores, iluminadores, montadores, fotógrafos e muitas outras.

Travessias 6 COLABORAÇÕES por Keyna Eleison

Co-labor – trabalhar junta. Como fazer isso de longe, sem que se possa contato?
O contato está feito, o toque está dado pela ideia.
E seguimos juntando as ideias, os trabalhos os contatos e os contornos. E fomos, seguimos, nos reunimos, tivemos ideias, trocamos, pensamos e começamos a fazer, ignorando o que as pessoas ignoravam: a movimentação ia mudar radicalmente.

Como somos adeptas à mudanças, abraçamos esta, encaramos a possibilidade de não parar pela distância. Apreender o possível e aprender no contexto de auto-invenções. Não somos revolução se não abraçamos a possibilidade do errar e voltar e seguir. E da aridez do silêncio brota a vontade de fazer algo. Pensar um programa, uma plataforma, um espaço/solo fértil para brotar o que pareceu estar apagado.

A exposição Travessias 6 COLABORAÇÕES ocupa o hiper-espaço e se coloca na proposta de uma plataforma expositiva. Assim, todo o esforço, carinho e atenção segue. Agora PLATAFORMA TRAVESSIAS 6 COLABORAÇÕES, com ritmo diferente de uma exposição, estamos juntas em programas e cada artista individual e coletivamente será tema e contorno deste lugar.

Refletir sobre as questões ligadas às colaborações pensadas inicialmente para o projeto e como essas colaborações estão se dando hoje nesse contexto.
Como é colaborar de longe?
Com quem você tem colaborado?
Falar de afeto.
O que é um ateliê?
Como a convivência no ateliê afeta o trabalho?
Como a convivência gera poesia? As artistas estão colaborando? Convivendo?

A visita é uma reunião, estamos juntas de novo. E ao juntar elaboramos, e juntas colaboramos e questionamos este fazer.
Atravessamos juntas.

E depois?
Expomos a Plataforma e fixamos a possibilidade de existir.
A demanda é da existência constante.
Se nada será igual estamos aqui, diferentes.

A Noiva é uma igreja criada no Rio de Janeiro, Rocinha, que promove cultos para adoração à altíssima arte. Ela só existe quando seus seguidores estão reunidos. Os artistas, seguidores, que preferem não revelar sua identidade individual, são todos devotos d’A Noiva. Criticam de maneira irônica o mercado da arte por meio de analogias com as práticas cristãs. Como demonstração de sua fé, vão andar em procissão da Candelária ao Galpão Bela Maré no dia da abertura da exposição.

Trovoa é uma movimentação coletiva. Formada por mulheres racializadas (não brancas) teve seu início no Rio de Janeiro e hoje já tem presença em oito estados, além do Rio, Bahia, Pernambuco, Espírito Santo, Goiás, Ceará, Pará e São Paulo. Sua dinâmica coletiva estimula a criação individual de cada uma das artistas, travando diálogo interno e trocas que potencializem a atuação no campo da Arte.

Rato Preto é o ateliê dos artistas Cruz e Rack localizado na Baixa do Sapateiro, Favela da Maré. Trabalham juntos por afinidades, trabalham juntos por necessidade, por urgência de vida. Um contamina o outro, mas um é um e o outro é o outro. Fazem desenhos, tatuagens, esculturas, são elegantes, são do samba, do quilombo, da cultura de raiz africana, são da marcenaria, da rua, são do mundo. O ateliê-residência de fachada pintada está sempre aberto a outros artistas que quiserem somar.

Ventura Profana é cantora, escritora, compositora, performer e artista visual. Recebeu educação religiosa nos templos batistas, investiga as implicações da teoria deuteronomista dos livros bíblicos no Brasil. Filha das entranhas misteriosas da mãe Bahia, Ventura Profana é carcará, negra travesti nordestina que tem fome e sede. Veio para a Maré se juntar com outras manas em uma festa colaborativa musical-visual.

Rato Branko é a dupla Cabelo e Raul Mourão. Dois artistas que trabalham no mesmo prédio na Lapa e decidiram se reunir para produzir acontecimentos como blocos de carnaval, músicas, filmes, objetos artísticos e exposições; se juntaram para experimentar, para reunir gente, gente conhecida, gente diferente, para celebrar a vida. Além dos dois existem muitos Ratos Brankos soltos pela cidade.

Conversa de lançamento da Plataforma Travessias 6 - Colaborações com as curadoras Keyna Eleison e Luiza Mello.
As curadoras fazem uma retrospectiva das 5 edições do Travessias e conversam sobre o formato e os desafios da versão online do projeto.
Gravada no Rio de Janeiro e transmita em 17 de julho de 2020.

Conversa de encerramento da Plataforma Travessias 6 - Colaborações com as curadoras Keyna Eleison e Luiza Mello.
Na primeira parte da conversa as curadoras recebem o designer Tonho para falar sobre a identidade visual das 6 edições do Travessias. Na segunda, conversam com Jean Carlos Azuos e Érika Lemos Pereira, do educativo do Galpão Bela Maré, e com a Diretora do Observatório de Favelas Isabela Souza.
Gravada no Rio de Janeiro e transmita em 28 de agosto de 2020.

Keyna Eleison

Curadora. Escritora, pesquisadora, herdeira Griot e xamãnica, narradora, cantora, cronista ancestral. Mestre em História da Arte e especialista em História da Arte e da Arquitetura; bacharel em Filosofia. Membra da Comissão da Herança Africana para laureamento da região do Cais do Valongo como Patrimônio Mundial (UNESCO). Curadora da 10a. Bienal internacional de Arte SIART, na Bolívia. Atualmente cronista da revista Contemporary&, e Professora do Programa Gratuito de Ensino da Escola de Artes Visuais do Parque Lage, Rio de Janeiro.

Luiza Mello

Produtora e curadora, formada em História e História da Arte com pós-graduação em História da Arte e Arquitetura do Brasil.
Desde 2000, atua como produtora executiva de exposições de arte contemporânea. Em 2006 funda a produtora Automatica e desde então atua como coordenadora de projetos e diretora geral da empresa. Em 2011 funda a Automatica Edições com Marisa Mello e atua como editora de livros de arte. Em 2018 foi curadora das exposições Dreaming Awake no Marres, House for Contemporary Culture, em Maastricht, Holanda; Mufa Caos, do artista Barrão, no Jacarandá, Rio de Janeiro e Perpectives on Contemporary Brazilian Art, na Art Berlin, Alemanha.
Ministrou cursos de produção cultural no Polo de Pensamento Contemporâneo; no curso de pós-graduação em curadoria da Universidade Candido Mendes, na EAV-Parque Lage e na ELÃ - Escola Livre de Artes, no Galpão Bela Maré, Rio de Janeiro.